Caminhando pela vida e o legado da Pastora Jacqueline Chanel, liderança da ICM responsável pela criação da primeira igreja trans do Brasil, a ICM Séforas.
O vapor da cozinha embaça por alguns instantes a grande sala que serve de cozinha e sala de jantar, revelando ao desvanecer uma pilha de objetos de todos os tipos sobre os quais reinam um trio de gatos. Poucas horas antes da reunião semanal na Igreja Séforas, uma congregação paulista para pessoas trans, a pastora Jacqueline Chanel, conhecida como Jacque, ela mesma uma mulher trans, termina de preparar um grande pote de sopa solidário. Ela então pega umas das perucas empilhadas numa cadeira – “eu escolho conforme o meu humor”, diz ela –, retoca o batom e corre para o corredor abarrotado de recipientes que coletam água de vazamentos no teto.
Já se passaram sete anos desde que há cinquenta anos deixou sua bagagem nesta ocupação que ocupa o andar térreo de um projeto de hotel Ibis abortado. “Sou uma pessoa marginalizada, por isso vim me instalar aqui, num espaço considerado marginal”, comenta antes de prosseguir.
A origem desta marginalização remonta à sua adolescência. Nascida em Belém, em lar católico, foi abandonada pela família aos 13 anos, após as primeiras manifestações de sua identidade sexual. Sua mãe a confia a um pastor protestante a quem é confiada a tarefa de “curá-la”. Durante seis anos, ela esteve alojada na igreja e recebeu educação religiosa deste pai substituto. Mas ele é assassinado por traficantes da favela adjacente quando Jacque tinha 19 anos. Deixada por conta própria, ela se afastou da Igreja para melhor “aceitar-se” e se aproximou dos círculos de ativistas gays em Belém. “Eu sabia que era diferente, mas não sabia exatamente que era mulher. Achei que era gay”, ela confidencia hoje. Foi aos vinte e poucos anos, enquanto participava de uma competição de drag queen, que ela colocou a palavra “mulher” para suas inseguranças. Ela então tentou a sorte em São Paulo, a capital econômica do Brasil, que se diz ser mais progressista.
“Em todos esses anos, minha fé nunca desapareceu. Pelo contrário, ela só reforçar “
Alguns pastores colocam as mãos na testa para “fazer sair o demônio”. Numa dessas comunidades, embora constitua um grupo informal de fiéis LGBTQIA+, “o padre veio do altar para nos dizer que não nos deixaria mais entrar na igreja”, lembra ela. Em todos esses anos, minha fé nunca foi quebrada. Pelo contrário, só se fortaleceu.” Para “encontrar as respostas necessárias para resistir”, ela sempre tem em mente este versículo bíblico:
“Além disso, sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28).
No início da década de 2010, conheceu Antônio José Ribeiro de Morais, pastor gay que oficiava em uma igreja inclusiva. Foi ao seu lado que ela descobriu os cultos progressistas. Imbuído de discursos evangélicos que demonizam a comunidade LGBTQIA+, é antes de tudo “chocado” com os membros da assembleia, distantes dos estereótipos de gênero. “Quase todo mundo era como eu, mas não pude deixar de pensar: ‘Meu Deus, o diabo já está aqui’”, lembra Jacque. Mas quando o pastor se aproximou do púlpito e falou, comecei a chorar. Meu corpo estava tremendo. Fiquei muito feliz, pois conheci o mesmo Deus, mas com um novo amor, vestido com um casaco arco-íris, abraçando a mim e toda a minha comunidade.
Ela também notou naquela época que apenas um punhado de pessoas trans estavam sentadas entre as centenas de fiéis homossexuais: “Isso me incomodou”. Disse a mim mesmo que numa igreja que se autodenomina inclusiva, todos os membros da comunidade LGBTQIA+ devem participar. Jacque Chanel fundou então o ministério Séforas – em referência à esposa de Moisés, “uma mulher determinada” – dedicado às pessoas trans. Esta é a primeira vez no Brasil. A sua ambição de trabalhar pela inclusão de pessoas trans em situação de vulnerabilidade social baseia-se em grupos de discussão semanais e distribuição de refeições. Há dois anos, Jacque Chanel foi ordenado pastora pela Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo, uma igreja inclusiva fundada em 1968 nos Estados Unidos pelo pastor homossexual Rev. Troy Perry. Ao mesmo tempo, ela continua seu ativismo participando todos os anos do orgulho gay e da marcha trans em São Paulo. Em 2022, ela ainda tentou entrar na política, concorrendo ao cargo de deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores, ao qual pertence o presidente Lula.
Contudo, nem o seu papel como pastora, nem a sua visibilidade como ativista garantem o seu rendimento. Jacque e a sua igreja dependem de doações mensais que raramente chegam aos 1.000 reais. “Às vezes a pastora Jacque se priva por nós”, diz Melissa Clen, frequentadora assídua das reuniões. Na verdade, o seu duplo papel como pastora e ativista afasta os patronos cristãos conservadores – alguns apelidam-na de “pastora do diabo” – mas também “pessoas que estariam prontas a dar para uma ONG, mas não desejam ajudar o desenvolvimento de uma igreja, “Ela explica. Esta noite, como todas as segundas-feiras, cerca de dez mulheres trans e outros membros da comunidade LGBTQIA+ reuniram-se em torno de Jacque”. Na sala de paredes roxas, iluminada por luzes neon, músicas pontuam os gestos de louvor do círculo de fiéis. Mais de dez anos depois do encontro, Antônio José Ribeiro de Morais ainda está presente. Abraçando seu velho amigo Jacque, ele sorri: “Hoje, quando olho para ela, vejo uma mulher de quase 60 anos com uma força incrível.
“Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber.. Fui travestir e vocês me acolheram!”
Mateus 25:35
Na semana do orgulho, a Pastora Jacqueline Chanel, líder da Igreja ICM Séfora’s, foi convidada para uma série de eventos importantes junto à comunidade LGBT de São Paulo.
21 de junho, a Pastora Jacqueline e a ICM Seforas foram homenageadas pelo Canal das Pessoas Trans. A diretora do grupo, Bianca de Capri, destacou a importância do trabalho da ICM Seforas na para o movimento de travestis e transsexuais, ressaltando a importância do respeito e a tolerância às outras religiões.
25 de Junho, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo sediou uma audiência pública sobre o aumento da violência contra a comunidade LGBTQIAPN+ na capital, coordenada pelo deputado Guilherme Cortez (Psol). A ICM Seforas, deu seu apoio institucional ao evento, destacando a importância de discutir políticas públicas que defendam a população LGBTQIAPN+. Durante a audiência, foram apresentados dados alarmantes sobre o aumento de 970% nos casos de violência LGBTfóbica na cidade desde 2015, ressaltando a necessidade urgente de ações efetivas para combater esses crimes e proteger os grupos mais vulneráveis.
No dia 27 de junho, a história de vida da pastora foi destaque no jornal francês Journal Réforme. Este jornal, conhecido por oferecer semanalmente uma visão protestante sobre notícias políticas, religiosas, sociais e culturais, dedicou um espaço para narrar a trajetória inspiradora da pastora trans. A reportagem destacou sua atuação na militância e no movimento de travestis e transexuais.
No dia 28 de junho, a Pastora da ICM Seforas recebeu uma premiação da ONG ABCDS, instituição atuante na cidade de São Paulo e Santo André.
E para finalizar esta agenda, dia 29 de junho, a Pra. Jacqueline Chanel foi convidada para palestrar sobre a realidade da comunidade LGBTQIAPN+ da cidade de São Paulo, como líder da igreja ICM Seforas, na plenária nacional realizada pela CSP Conlutas, uma central sindical e popular que reúne vários sindicatos da cidade.
Grande parte desse texto foi tirado da reportagem realizada pelo Jornal Frances Réforme: https://www.reforme.net/societe/au-bresil-la-premiere-eglise-accueillant-les-transsexuels-vient-douvrir-ses-portes/
Misericórdia
Reflexão: Manter o foco em Deus e esperar por Sua salvação é essencial. A confiança de que Ele nos ouvirá e responderá é a base de nossa esperança e fé em tempos de dificuldade.
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